Alívio! Foi essa a exata sensação. Falcão fez o corta-luz com Toninho Cerezo, que atraiu a marcação italiana, driblou para o meio, vindo da direita, e meteu um balaço que, por sorte do goleiro Dino Zoff, não lhe bateu no peito, aniquilando-o, de imediato. A bola entrou como um míssil no gol da Squadra Azzurra, acabando com as esperanças do retranqueiro Enzo Bearzot. Estava reestabelecida a justiça.
A Itália havia passado pela primeira fase de maneira sofrível. Empatara com Peru e Polônia, sem gols, e com Camarões, em um a um. Depois, já na segunda fase, com o carrapato Gentille grudando em Maradona e sugando-lhe todo o sangue e talento, conseguiu bater a Argentina por dois a um (o Brasil ganhara dos portenhos por três a um, gols de Zico, Júnior e Serginho) e, por isso, tínhamos a vantagem do empate. Porém, a Itália resolveu complicar o jogo e contou com um fenômeno estranho que, até o gol do Rei de Roma, houvera se repetido duas vezes.
No primeiro evento, Grazziani correra pelo lado esquerdo do campo e fizera um cruzamento para a área brasileira. Aí aconteceu o impossível pela primeira vez. Não havia ninguém ali, um segundo antes. Ninguém! De repente, Paolo Rossi, número 20 às costas, surge do nada ou de outra dimensão, e cabeceia a bola sozinho, fulminando Waldir Peres. Confesso que fiquei minutos sem entender o que acontecera. Mas o Brasil de Telê Santana respondeu à altura.
Zico, de costas, deu um drible mágico em Gentille (olha o cara de novo!) e emendou um passe para Sócrates que desnorteou Bergomi, Schirea etc. O Doutor invadiu a área e com a tranqüilidade dos mestres, tocou no canto direito, sem chances para o goleiro italiano.
Minutos depois, o imponderável aconteceu outra vez. Até hoje Toninho Cerezo é injustiçado por isso. O Brasil tocava e o volante do Atlético Mineiro, sem olhar, dada a imensa sincronia da equipe, atravessou a bola para a esquerda. Dizem hoje que ele foi imprudente, que deveria ter olhado antes. Que nada! As imagens provam que só havia brasileiros ali. Contudo, como Noturno do X-Men, Rossi saiu da quarta dimensão, da rachadura no continuum tempo-espaço ou sabe-se lá de que furna do Inferno, interceptou-a, avançou sem ser obstado por um Luizinho paralisado, entrou na área de novo e soltou um torpedo na cara do atônito goleiro do Brasil. Gol da Itália... Como?
Comecei a ficar preocupado. Não entendia muito de futebol, estava aprendendo a gostar desse esporte ali, em minha infância, durante a Copa de 82, mas sabia que a Natureza possuía leis imutáveis. Como explicar, então, que alguém pudesse aparecer e desaparecer daquela forma? Será que as histórias em quadrinhos, com seus super-heróis ou a Literatura e a TV, com o Homem Invisível, falavam de fatos reais?
Ainda bem que, malgrado minhas elucubrações e meu temor de tudo aquilo terminar mal, Falcão houvesse trazido à normalidade as coisas. Foi uma euforia só. Nada poderia mais nos deter. Nossa campanha vinha sendo irretocável. Nenhuma derrota. Matamos a União Soviética (apesar do frangaço engolido por Waldir Peres num chute de longa distância de Bal), com dois gols antológicos de Sócrates e Éder. Pisamos na Escócia (quatro a um) e massacramos a Nova Zelândia (quatro a zero). Depois, arrasamos a Argentina por três a um e, apesar desse Poltergeist, tudo agora voltava ao normal. O Brasil seria campeão, fácil. E, como em 70, dando espetáculo! Eles até iam cobrar um escanteio, mas nada mais poderia ser feito.
Ouvi nessa hora alguns rumores de vozes conservadoras (existem-nas em todo lugar e circunstância e são sempre assim, desencantadoras): "O Telê devia segurar o jogo. O empate basta, não há por que ir para cima deles!". Odeio retranqueiros! Como ousavam querer impedir aquele time de ser ofensivo? Com que intenção pedir a Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo, Júnior e Cia. recuarem? Para quê? Ainda bem que, dali mais alguns minutos, o jogo acabaria. Os italianos cobraram o escanteio.
A bola viajou para o centro do tumulto e foi rechaçada facilmente pela defesa do Brasil. De fora da área, Antognoni, meio-campista que se contundiria contra a Polônia uma partida depois, ficando fora da decisão da Copa, pegou de primeira, mandando-a para o gol do Brasil. Mas ela ia para fora, sem problemas. Neste exato instante, o fantástico sucedeu mais uma vez.
O pé direito de Paolo Rossi apareceu outra vez. Não ele inteiro, só o pé - o pé! -, e desviou a bola para o fundo das redes do Escrete Canarinho. Foi como uma parada cardíaca.
Júnior, que não tinha a habilidade de ver o que não podia ser visto, manteve-se na linha da meta defendida por Waldir, e deixou o pé direito de Rossi em condições legais para marcar o terceiro gol dos italianos, o da classificação.
Eu nunca soubera anteriormente como era ter um ente querido morto. Aprendi ali. Aquele gol de Paolo Rossi me marcou como uma tragédia grega. Não sei quanto tempo vislumbrei o futebol como algo assinalado pela melancolia e a dor. Acho que senti o que sentiram os húngaros em 54 ou os holandeses em 74. Injustiça! Fiquei ali, olhando para o televisor, como se tudo estivesse cinza, como se a programação estivesse fora do ar...
Por trás da tela cinérea, em algum lugar e momento impreciso, Rossi ria muito.
De mim, do Brasil, de todos.
quarta-feira, fevereiro 22, 2006
sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Triste Retorno
Eu já estava quase desistindo de postar aqui. Ando pouco inspirado para falar de futebol da maneira que mais gosto, que é através da análise, mas também da memória afetiva. Tenho me lembrado pouco dos momentos do esporte que vivenciei e assistido a poucos jogos, a fim de atualizar meus conhecimentos. Todavia, voltei. Lamento, entretanto, ser movido por uma nota triste. A morte do grande Jorge Mendonça.
Eu não o vi jogar, a não ser raras vezes, mas conheço sua bela história no futebol brasileiro. E me entristeço por constatar que ele é um dos inúmeros gênios melancólicos do futebol nacional. Triste e trágico como Heleno de Freitas, como Almir Pernambuquinho, como Garrincha, como Dener.
Jorge Mendonça, carioca de nascimento, foi um dos maiores jogadores da história do nosso futebol. Jogou no Bangu, no Náutico, no Palmeiras, no Guarani, na Ponte Preta, na Seleção Brasileira, entre outras equipes. Fez o gol do título do Palmeiras no Paulistão 76, contra o XV de Piracicaba, atuou pelo Brasil na Copa de 78, mas seu feito que mais me impressionou foi ter sido artilheiro do Campeonato Paulista de 1981, com 38 gols, quando atuava pelo Bugre. Eu me lembro que li numa edição de Placar daquele ano - ainda que alguns anos depois - que Jorge Mendonça e Roberto Dinamite lutavam pelo título de goleador da temporada e que somente ele depois da Era Pelé houvera ultrapassado a barreira dos trinta gols naquele tradicional certame. O título acabou ficando com ele, se não me falha a memória. A segunda Academia Palmeirense tinha no ponta-de-lança uma de suas estrelas maiores, senão a maior. Era esguio e clássico. De belo toque de bola e habilidade. Jogava sempre de cabeça erguida sem olhar para a redonda, como reza o figurino dos craques. E jogou muita, muita bola. Nada obstante, sua história foi triste.
Mendonça, conforme uma de suas poucas aparições após o encerramento da carreira, esta no Terceiro Tempo, apresentado por Milton Neves, na Rede Record, sofreu graves reveses financeiros, provocados pelos familiares. Sua esposa e seu cunhado teriam-no prejudicado, graças às procurações que passara para aquele administrar seus bens. Perdeu tudo e foi abandonado pela família. Triste demais. Dizer se merecia, ou não, é um exercício escatológico-filosófico que não me atrevo nem quero fazer. Só sei que seu futebol é maior que sua história pessoal, em termos de vitórias e alegrias.
Albert Camus escreveu, certa vez, que as maiores lições que aprendeu na vida, aprendeu-as por ter sido jogador de futebol. Eu tenho impressão que sim. Pode-se aprender muito sobre Ética por meio do futebol. Mas a Ética ainda tem muito mais a nos ensinar, nos jogos do esporte e da vida. Principalmente sobre a volatilidade de tudo que é efêmero, como a fama.
Volto a postar aqui, esperando que a minha tristeza também se faça efêmera.
Assinar:
Postagens (Atom)